quarta-feira, 10 de março de 2010

SOBRENATURAL

01- A Gênese - Allan Kardec- cap. XIII, 18 XIV,

OS MILAGRES NO SENTIDO TEOLÓGICO

1.- Em sua acepção etimológica, a palavra milagre (de mirari, admirar) significa: admirável, coisa extraordinária, surpreendente. A Academia define esta palavra: Um ato de poder divino contrário às leis conhecidas da Natureza.

Em sua acepção usual, esta palavra perdeu, como tantas outras, o seu significado primitivo. De geral que era, ela se restringe a uma ordem particular de fatos. No pensamento das massas, um milagre implica a idéia de um fato sobrenatural; no sentido teológico, é uma derrogação das leis da Natureza, pelas quais Deus manifesta o seu poder. Tal é, com efeito, a acepção vulgar, tornada o sentido próprio, e não é senão por comparação e por metáfora que ele é aplicado às circunstâncias comuns da vida.

Um dos caracteres do milagre, propriamente dito, é o de ser inexplicável, por isso mesmo que se cumpre fora das leis naturais; e é de tal modo a idéia que se lhe liga que, se um fato miraculoso vem a encontrar a sua explicação, diz-se que não é mais um milagre, por surpreendente que seja. O que faz, para a Igreja, o mérito dos milagres é precisamente a sua origem sobrenatural, e a impossibilidade de explicá-los; ela está tão bem fixada sobre este ponto que toda assimilação dos milagres aos fenômenos da Natureza é taxada de heresia, de atentado contra a fé: que ela excomungou, e mesmo queimou, pessoas que não quiseram crer em certos milagres.

Um outro caráter do milagre é o de ser insólito, isolado e excepcional; do momento que um fenômeno se reproduz, seja espontaneamente, seja por um ato da vontade, é que ele está submetido a uma lei, e, desde então, que essa lei seja conhecida ou não, isso não pode ser um milagre.

2. - Todos os dias a ciência faz milagres aos olhos dos ignorantes. Que um homem verdadeiramente morto seja chamado à vida por uma intervenção divina, e aí está um verdadeiro milagre, porque esse é um fato contrário às leis da Natureza. Mas se esse homem não tem senão as aparências da morte, e se há nele ainda um resto de vitalidade latente, e que a ciência, ou uma ação magnética, venha a reanimá-lo, para as pessoas esclarecidas é um fenômeno natural, mas aos olhos do vulgo ignorante, o fato passará por miraculoso.

Que no meio de certos camponeses um físico lance um papagaio elétrico e faça cair o raio sobre uma árvore, esse novo Prometeu será certamente olhado como armado de um poder diabólico; mas Josué, detendo o movimento do Sol, ou antes da Terra, em admitindo o fato, eis o verdadeiro milagre, porque não existe nenhum magnetizador dotado de um tão grande poder para operar tal prodígio.

Os séculos de ignorância foram fecundos em milagres, porque tudo cuja causa era desconhecida passava por sobrenatural. À medida que a ciência revelou novas leis, o círculo do maravilhoso foi restringido; mas como não havia explorado todo o campo da Natureza, restava ainda uma parte bastante grande ao maravilhoso.

3.-O maravilhoso, expulso do domínio da materialidade pela ciência, entrincheirou-se no da espiritualidade, que foi o seu último refúgio. O Espiritismo, em demonstrando que o elemento espiritual é uma das forças vivas da Natureza, força incessantemente agindo concorrentemente com a força material, fez de novo entrar os fenômenos que dela ressaltam no círculo dos efeitos naturais, porque, como os outros, estão submetidos a leis. Se o foi expulso da espiritualidade, não tem mais razão de ser, e é então somente que se poderá dizer que passou o tempo dos milagres.



O ESPIRITISMO NÁO FAZ MILAGRES

4. - O Espiritismo vem, pois, ao seu turno, fazer o que cada ciência fez em seu advento: revelar novas leis, e explicar, por conseqüência, os fenômenos que são da alçada dessas leis. Esses fenômenos, é verdade, se prendem à existência dos Espíritos e à sua intervenção no mundo material; ora, aí está, diz-se, o que é o sobrenatural. Mas então seria necessário provar que os Espíritos, e as suas manifestações, são contrários às leis da Natureza; que isso não é, e não pode aí estar uma dessas leis.

O Espírito não é outro senão a alma que sobrevive ao corpo; é o ser principal uma vez que não morre, ao passo que o corpo não é senão um acessório que se destrói. Sua existência é, pois, tudo tão natural depois como durante a encarnação; ela está submetida às leis que regem o princípio espiritual, como o corpo está submetido às que regem o princípio material; mas como estes dois princípios têm uma afinidade necessária, que reagem incessantemente um sobre o outro, que, de sua ação simultânea, resultam o movimento e a harmonia do conjunto, segue-se que a espiritualidade e a materialidade são duas partes de um mesmo todo, tão naturais uma quanto a outra, e que a primeira não é uma exceção, uma anomalia na ordem das coisas.

5.-Durante a sua encarnação, o Espírito atua sobre a matéria por intermédio de seu corpo fluídico ou perispírito; ocorre o mesmo fora da encarnação. Ele faz, como Espírito e na medida de suas capacidades, o que fazia como homem; como ele não tem mais seu corpo carnal por instrumento, somente se serve dos órgãos materiais de um encarnado, que se torna o que se chama médium. Ele faz como aquele que, não podendo ele mesmo escrever, toma emprestada a mão de um secretário; ou que, não sabendo uma língua, serve-se de um intérprete. Um secretário, um intérprete são os médiuns de um encarnado, como o médium é o secretário ou o intérprete de um Espírito.



6. - O meio no qual agem os Espíritos, e os meios de execução não sendo os mesmos que no estado de encarnação, os efeitos são diferentes. Estes efeitos não parecem sobrenaturais senão porque são produzidos com a ajuda de agentes que não são os dos que nos servimos; mas desde o instante em que esses agentes estão na Natureza, e que os fatos das manifestações se cumprem em virtude de certas leis, nada há de sobrenatural nem de maravilhoso. Antes de se conhecer as propriedades da eletricidade, os fenômenos elétricos passavam por prodígios aos olhos de certas pessoas; desde que a causa foi conhecida, o maravilhoso desapareceu.

Ocorre o mesmo com os fenômenos espíritas, que não saem mais da ordem das leis naturais que os fenômenos elétricos, acústicos, luminosos e outros, que foram a fonte de uma multidão de crenças supersticiosas.

7. - Todavia, dir-se-á, admitis que um Espírito possa levantar uma mesa e mantê-la no espaço sem ponto de apoio; isso não é uma derrogação da lei da gravidade? -Sim, da lei conhecida; mas se conhecem todas as leis? Antes que se tivesse experimentado a força ascensional de certos gases, quem diria que uma pesada máquina, levando vários homens, poderia vencer a força de atração? Aos olhos do vulgo, isso não deveria parecer maravilhoso, diabólico?

Aquele que propusesse, há um século, transmitir um despacho a quinhentas léguas, e receber sua resposta em alguns minutos, teria passado por um louco; se o fizesse, crer-se-ia que tinha o diabo às suas ordens, porque, então, só o diabo era capaz de andar tão depressa; entretanto, hoje, a coisa é não somente reconhecida possível, mas parece naturalíssima. Por que, pois, um fluido desconhecido não teria a propriedade, em circunstâncias dadas, de contrabalançar o efeito da gravidade, como o hidrogênio contrabalança o peso do balão? Foi, com efeito, o que ocorreu no caso do qual se trata. (O Livro dos Médiuns, cap. IV.)

8.-Os fenômenos espíritas, estando na Natureza, produziram-se em todos os tempos; mas precisamente porque o seu estudo não podia ser feito pelos meios materiais de que dispõe a ciência vulgar, eles permaneceram por muito mais tempo que outros no domínio do sobrenatural, de onde o Espiritismo fê-los sair hoje. O sobrenatural, baseado sobre aparências inexplicadas, deixa um livre curso à imaginação, que, errando no desconhecido, dá nascimento, então, às crenças supersticiosas. Uma explicação racional, fundada sobre as leis da Natureza, reconduzindo o homem sobre o terreno da realidade, põe um ponto de parada aos desvios da imaginação, e destrói as superstições.

Longe de estender o domínio do sobrenatural, o Espiritismo o restringe até nos seus últimos limites e lhe tira o seu último refugio. Se ele faz crer na possibilidade de certos fatos, impede de crer em muitos outros, porque demonstra, no círculo da espiritualidade, como a ciência no círculo da materialidade, o que é possível e o que não o é. Contudo, como ele não tem a pretensão de ter a última palavra sobre todas as coisas, mesmo sobre aquelas que são da sua competência, não se põe como regulador absoluto do possível, e leva em conta conhecimentos que reserva para o futuro.

9. - Os fenômenos espíritas consistem nos diferentes modos de manifestação da alma, ou Espírito, seja, durante a encarnação, seja no estado de erraticidade. É pelas suas manifestações que a alma revela a sua existência, a sua sobrevivência e a sua individualidade; ela é julgada por seus efeitos; a causa sendo natural, o efeito o é igualmente. São esses efeitos que fazem o objeto especial de pesquisas e de estudos do Espiritismo, a fim de chegar ao conhecimento, tão completo quanto seja possível, da natureza e dos atributos da alma, assim como as leis que regem o princípio espiritual.

10.-Para aqueles que negam a existência do princípio espiritual independente, e, por consequência, o da alma individual e sobrevivente, toda a Natureza está na matéria tangível; todos os fenômenos que se ligam à espiritualidade são, a seus olhos, sobrenaturais, e, por consequência, quiméricos; não admitindo a causa, não podem admitir o efeito; e quando os efeitos são patentes, eles os atribuem à imaginação, à ilusão, à alucinação, e recusam aprofundá-los; Daí, entre eles, uma opinião preconcebida que os torna impróprios para julgar sadiamente o Espiritismo, porque partem do principio da negação de tudo o que não e material.

11.-Do fato de o Espiritismo admitir os efeitos que são a consequência da existência da alma, não se segue que ele aceita todos os efeitos qualificados de maravilhosos, e entenda justificá-los e acreditá-los; que seja o campeão de todos os sonhadores, de todas as utopias e de todas as excentricidades sistemáticas, de todas as lendas miraculosas; seria necessário conhecê-lo bem pouco para pensar assim. Seus adversários crêem opor-lhe argumento sem réplica, quando, depois de terem feito eruditas pesquisas sobre os convulsionários de Saint-Médard, os calvinistas de Cévennes ou os religiosos de Loudun, chegaram a descobrir fatos patentes de fraude que ninguém contesta; mas essas histórias são o Evangelho do Espiritismo?

Seus partidários negam que o charlatanismo haja explorado certos fatos em seu proveito; que a imaginação os haja criado; que o fanatismo os tenha exagerado muito? Ele não é solidário com as extravagâncias que se podem cometer em seu nome, como a verdadeira ciência não o é quanto aos abusos da ignorância, nem a verdadeira religião quanto aos excessos do fanatismo. Muitos críticos não julgam o Espiritismo senão pelos contos de fadas e as lendas populares, que dele são as ficções; outro tanto valeria julgar a história pelos romances históricos ou as tragédias.

12.-Os fenômenos espíritas são, o mais frequentemente, espontâneos e se produzem sem nenhuma idéia preconcebida nas pessoas que neles menos pensam; em certas circunstâncias, eles podem ser provocados por agentes designados sob o nome de médiuns; no primeiro caso, o médium é inconsciente, do que se produz por seu intermédio; no segundo age com conhecimento de causa: daí a distinção de médiuns conscientes e de médiuns inconscientes. Estes últimos são os mais numerosos e se encontram, frequentemente, entre os incrédulos mais obstinados, que fazem assim o Espiritismo sem o saber e sem querer. Os fenômenos espontâneos têm, por isso mesmo, uma importância capital, porque não se pode suspeitar da boa-fé daqueles que os obtêm. Ocorre aqui como no sonambulismo que, entre certos indivíduos, é natural e involuntário, e entre outros, provocados pela ação magnética.

Mas que esses fenômenos sejam ou não o resultado de um ato da vontade, a causa primeira é exatamente a mesma e em nada se afasta das leis naturais. Os médiuns, portanto, não produzem absolutamente nada de sobrenatural; por consequência, eles não fazem nenhum milagre; mesmo as curas instantâneas não são mais miraculosas do que os outros efeitos, porque são devidas à ação de um agente fluídico fazendo o papel de agente terapêutico, cujas propriedades não são menos naturais por terem sido desconhecidas até este dia. O epíteto de taumaturgos, dado a certos médiuns pela crítica ignorante dos princípios do Espiritismo, portanto, é inteiramente impróprio. A qualificação de milagre, dada, por comparação, a certas espécies de fenômenos, não pode senão induzir em erro sobre o seu verdadeiro caráter.

13.-A intervenção de inteligências ocultas nos fenômenos espíritas não tornam estes mais miraculosos que todos os outros fenômenos que são devidos a agentes invisíveis, porque estes seres ocultos que povoam os espaços são uma das forças da Natureza, força cuja ação é incessante sobre o mundo material, quanto sobre o mundo moral.

O Espiritismo, em nos esclarecendo sobre esta força, nos dá a chave de uma multidão de coisas inexplicadas, e inexplicáveis, por todo outro meio, e que puderam, nos tempos recuados, passar por prodígios; ele revela, do mesmo modo que o magnetismo, uma lei, se não desconhecida, pelo menos mal compreendida; ou, para melhor dizer, conheciam-se os efeitos, porque se produziram em todos os tempos, mas não se conhecia a lei, e foi a ignorância desta lei que engendrou a superstição. Conhecida a lei, o maravilhoso desaparece e os fenômenos entram na ordem das coisas naturais.

Eis porque os Espíritas não fazem mais milagre em fazendo girar uma mesa, ou os mortos escreverem, do que o médico em fazendo reviver um moribundo, ou o físico em fazendo cair o raio. Aquele que pretendesse, com a ajuda desta ciência, fazer milagres, seria ou um ignorante da coisa, ou um fazedor de tolos.14.- Uma vez que o Espiritismo repudia toda pretensão às coisas maravilhosas, fora dele há milagres na acepção usual da palavra?

Dizemos primeiro que, entre os fatos reputados miraculosos que se passaram antes do advento do Espiritismo, e que se passam ainda em nossos dias, a maioria, senão todos, encontram a sua explicação nas leis novas que ele veio revelar; estes fatos entram, pois, embora sob um outro nome, na ordem dos fenômenos espíritas, e, como tais, nada têm de sobrenatural.

Bem entendido que não se trata aqui senão dos fatos autênticos, e não daqueles que, sob o nome de milagres, são o produto de uma indigna charlatanice, tendo em vista explorar a credulidade; não mais que certos fatos legendários que puderam ter, em sua origem, um fundo de verdade, mas que a superstição ampliou ao absurdo. É sobre estes fatos que o Espiritismo vem lançar a luz, dando os meios de fazer a parte do erro e da verdade.



DEUS FAZ MILAGRES?

15. - Quanto aos milagres propriamente ditos, nada sendo impossível a Deus, sem dúvida ele os pode fazer; e os faz? Em outros termos: derroga as leis que estabeleceu? Não cabe ao homem prejulgar os atos da Divindade e subordiná-los à fraqueza do seu entendimento; entretanto, temos como critério de nosso julgamento, com respeito às coisas divinas, os atributos do próprio Deus. Ao soberano poder aliar-se a soberana sabedoria, de onde é preciso concluir que ele nada faz de inútil.



Por que, pois, faria milagres? Para atestar o seu poder, diz-se; mas o poder de Deus não se manifesta, de maneira bem mais impressionante, pelo conjunto grandioso das obras da criação, pela sabedoria previdente que preside às suas partes mais ínfimas como as maiores, e pela harmonia das leis que regem o Universo, do que por algumas pequenas e pueris derrogações que todos os prestidigitadores sabem imitar? Que se diria de um sábio mecânico que, para provar a sua habilidade, desarranjasse o relógio que construísse, obra-prima da ciência, a fim de mostrar que desfaz o que fez? Seu saber, ao contrário, não ressalta mais da regularidade e da precisão do movimento?

A questão dos milagres, propriamente ditos, não é, pois, da alçada do Espiritismo; mas, apoiando-se sobre este raciocínio: que Deus nada faz de inútil, emite esta opinião que: Os milagres, não sendo necessários à glorificação de Deus, nada, no Universo, se desvia das leis gerais. Deus não faz milagres, porque sendo as suas leis perfeitas, não tem necessidade de derrogá-las. Se há fatos que não compreendemos, é porque nos faltam ainda os conhecimentos necessários.

16. - Admitindo que Deus pudesse, por razões que não podemos apreciar, derrogar acidentalmente as leis que estabeleceu, estas leis não seriam mais imutáveis; mas ao menos é racional pensar que só ele tem esse poder; não se poderia admitir, sem negar-lhe a onipotência, que seja dado ao Espírito do mal desfazer a obra de Deus, em fazendo, de sua parte, prodígios para seduzir mesmo os eleitos, o que implicaria a idéia de um poder igual ao seu; é, todavia, o que se ensina. Se Satanás tem o poder de interromper o curso das leis naturais, que são a obra divina, sem a permissão de Deus, ele é mais poderoso do que Deus: Deus, pois, não possui a onipotência; se Deus lhe delega esse poder, como se pretende, para induzir mais facilmente os homens ao mal, Deus não é mais a soberana bondade. Num e no outro caso, é a negação de um dos atributos sem os quais Deus não seria Deus.



A Igreja também distingue os bons milagres, que vêm de Deus, dos maus milagres que vêm de Satanás; mas, como diferenciá-los? Que um milagre seja satânico ou divino, isso não seria menos uma derrogação às leis que emanam só de Deus; se um indivíduo é curado, supostamente por milagre, que isso seja pelo fato de Deus ou de Satanás, ele não é menos curado. É necessário ter uma idéia bem pobre da inteligência humana para esperar que semelhantes doutrinas possam ser aceitas em nossos dias.

Estando reconhecida a possibilidade de certos fatos, reputados milagrosos, disto é necessário concluir que, qualquer que seja a fonte que se lhes atribua, são efeitos naturais dos quais Espíritos ou encarnados podem usar, como de tudo, como de sua própria inteligência e de seus conhecimentos científicos, para o bem ou para o mal, segundo a sua bondade ou a sua perversidade. Um ser perverso, aproveitando o seu saber, pode, pois, fazer coisas que passam por prodígios aos olhos dos ignorantes; mas quando esses efeitos tem, por resultado, um bem qualquer, seria ilógico atribuir-lhes uma origem diabólica.

17.-Mas, diz-se, a religião se apóia sobre fatos que não são nem explicados e nem explicáveis. Inexplicados, talvez; inexplicáveis, é uma outra questão. Sabe-se as descobertas e os conhecimentos que o futuro nos reserva? Sem falar do milagre da Criação, o maior de todos sem contradita, e que hoje entrou no domínio da lei universal, não se vê já, sob o império do magnetismo, do sonambulismo, do Espiritismo, se reproduzirem os êxtases, as visões, as aparições, a visão à distância, as curas instantâneas, as suspensões, as comunicações orais e outras com os seres do mundo invisível, fenômenos conhecidos de tempos imemoriais, considerados outrora como maravilhosos, e demonstrados, hoje, pertencerem à ordem das coisas naturais, segundo a lei constitutiva dos seres?

Os livros sagrados estão cheios de fatos deste gênero, qualificados de sobrenaturais; mas como são encontrados análogos, e mais maravilhosos ainda, em todas as religiões pagãs da antiguidade, se a verdade de uma religião dependesse do número e da natureza destes fatos, não se saberia muito aquela que devesse prevalecer.

O SOBRENATURAL E AS RELIGIÕES

18.-Pretender que o sobrenatural seja o fundamento necessário de toda religião, que seja a chave da abóbada do edifício cristão, e sustentar uma tese perigosa; fazendo-se repousar as bases do cristianismo sobre a base única do maravilhoso, é dar-lhe um apoio frágil do qual as pedras se destacam a cada dia. Esta tese, de que eminentes teólogos se fizeram defensores, conduz direto a esta conclusão de que, num tempo dado, não haverá mais religião possível, nem mesmo a religião cristã, se o que é considerado sobrenatural for demonstrado natural; porque será em vão amontoar argumentos, não se chegará provado que ele não o é; ora, a prova de que um fato não é uma exceção, nas leis naturais, é quando ele pode ser explicado por estas mesmas leis, e que, podendo se reproduzir por intermédio de um indivíduo qualquer, cessa de ser o privilégio dos santos.

Não é o sobrenatural que é necessário às religiões, mas bem o princípio espiritual, que se confunde erradamente com o maravilhoso, e sem o qual não há religião possível. O Espiritismo considera a religião cristã de um ponto de vista mais elevado; dá-lhe uma base mais sólida do que os milagres, são as leis imutáveis de Deus, que regem o princípio espiritual, como o princípio material; esta base desafia o tempo e a ciência, porque o tempo e a ciência virão sancioná-la.



Deus não é menos digno de nossa admiração, de nosso reconhecimento, de nosso respeito, por não ter derrogado as suas leis, grandes sobretudo por sua imutabilidade. Elas não têm necessidade do sobrenatural para render a Deus o culto que lhe é devido; não é a Natureza bastante imponente, por si mesma, e falta-lhe acrescentar para provar o poder supremo? A religião encontrará tanto menos incrédulos quando for, em todos os pontos, sancionada pela razão. O cristianismo nada tem a perder com essa sanção; ao contrário, não pode, com isso, senão ganhar. Se alguma coisa pôde prejudicá-lo, na opinião de certas pessoas, foi precisamente o abuso do maravilhoso e do sobrenatural.

19. — Tomando-se a palavra milagre em sua acepção etimológica, no sentido de coisa admirável, teremos, sem cessar, milagres aos nossos olhos; nós os aspiramos no ar e os pisamos sob os nossos passos, porque tudo é milagre na Natureza. Quer se dar ao povo, aos ignorantes, aos pobres de espírito, uma idéia do poder de Deus? É necessário mostrar-lhes a sabedoria infinita que preside a tudo, no admirável organismo de tudo o que vive, na frutificação das plantas, na apropriação de todas as partes de cada ser as suas necessidades, segundo o meio onde está chamado a viver; é necessário mostrar-lhes a ação de Deus no rebento da erva, na flor que desabrocha, no Sol que a tudo vivifica; é necessário mostrar-lhes a sua bondade na sua solicitude por todas as criaturas, tão ínfimas que sejam, a sua previdência na razão de ser de cada coisa, da qual nenhuma é inútil, do bem que sai sempre do mal aparente e momentâneo.

Fazei-os compreender, sobretudo, que o mal real é a obra do homem, e não a de Deus; não procureis amedrontá-los pelo quadro das chamas eternas, nas quais acabam por não acreditar e que lhes fazem duvidar da bondade de Deus; mas encorajai-os pela certeza de poderem se resgatar um dia e reparar o mal que puderam fazer; mostrai-lhes as descobertas da ciência como a revelação das leis divinas, e não como a obra de Satanás; ensinai-os, enfim, a lerem no livro da Natureza, sem cessar aberto diante deles; neste livro inesgotável onde a sabedoria e a bondade do Criador estão inscritas em cada página; então compreenderão que um Ser tão grande, se ocupando de tudo, velando por tudo, prevendo tudo, deve ser soberanamente poderoso.

O lavrador ve-lo-á em traçando seus sulcos, e o infortunado o abençoará em suas aflições, porque a si mesmos dirão: Se sou infeliz, foi por minha falta. Então, os homens serão verdadeiramente religiosos, racionalmente religiosos, sobretudo, bem melhor do que se cressem em pedras que suam o sangue, ou em estátuas que piscam os olhos e vertem lágrimas.

03 - Guia do Espiritismo -Angelo de Micheli - pág. 269

Conclusão

Gostaria de acrescentar um conselho: o de ser pacientes e prudentes. Apenas através de um treinamento sistemático e gradual será possível obter resultados que compensem as expectativas. Nesta obra expus algumas dentre as principais manifestações possíveis que possam vir a produzir-se através de indivíduos médiuns ou não. Experiências com o mundo "sobrenatural" ou simplesmente paranormal tornam-se possíveis a todos, desde que nos tenhamos às regras do jogo. . . Fazer demais quer dizer cair no risco de esbarrar em energias ainda hoje ignoradas.

Os fenômenos descritos constituem material sobre o qual os autorizados e ilustres estudiosos refletiram e formularam diferentes hipóteses de trabalho. Limitei-me a apresentar as interpretações mais conhecidas ou confiáveis, deixando espaço para teorias das quais apenas se imagina a existência. O mundo dos fenômenos paranormais é vasto e talvez ilimitado. Seguramente envolve mesmo nossa vida atual, para fundir numa imagem temporária o indivíduo, sua realidade e a sua resistência no absoluto. Quer seja o mundo dos "espíritos" que pretenda comunicar-se conosco, quer seja nossa situação de ser vivo que exige uma alternativa à tempóraneidade da existência, nina alternativa de ordem espiritual e eterna é algo difícil de estabelecer com certeza.



Enquanto podemos conhecer a medida da superfície do nosso satélite, ainda estamos distantes do conhecimento de nossa pessoa, das nossas capacidades e das nossas possibilidades. Os medos infantis dos primeiros anos de vida reemergem na necessidade do sobrenatural, da resposta a perguntas que não somos! Capazes de dar, na necessidade de acreditar ou de não querer, acreditar. Os fantasmas de antigamente, removidos pela pesquisa científica, se reapresentam com uma imagem diversa, mas nem por isso menos importante. O grande problema da sobrevivência à morte continua a se embalar no fundo do nosso EU, sufocado pelo positivismo ou acolhido pelo desejo de querer crer. Portanto de querer sobreviver.



A fenomenologia paranormal, de que tratei nestas páginas, permanece um ponto de encontro entre dimensões diversas; mas o mistério permanece. A ciência não dispõe de provas pró ou contra a sobrevivência da alma, mesmo se as hipóteses espirituais não têm o conforto daquelas provas demonstrativas que lhe garantem a autenticidade. Podemos apenas ser testemunha de fatos, de acontecimentos e experiências, e a única possibilidade que temos é classificá-los, na esperança de poder, um dia vasculhar as profundezas dos mecanismos que os determinam. Negar tudo porque não é explicável segundo os parâmetro da nossa ciência e inútil; aceitar tudo indistintamente seria uma tolice.É indispensável continuar essa pesquisa com empenho procurando ajudar aqueles que têm a capacidade de expressar determinadas fenomenologias, e estabelecer um diálogo e um contato entre pesquisadores e indivíduos. Contato este despojado de dúvidas e perplexidades, que seja a expressão de uma colaboração no interesse da ciência e de todos.

Nada deve nos surpreender ou nos espantar. As conclusões que se deverão atingir, ainda que hoje possam parecer abstinações talvez constituam uma visão diferente, porém mais real do que aquela que nós consideramos verdade. Nada deve ser recusado sem justificativa lógica, e qualquer caminho possível do deve ser trilhado, se se pretende chegar a conclusões construtivas.



"... A infinitude daquilo que ignoramos nos pareceria certamente inverossímil se nos fosse revelada bruscamente em sua integridade..." Assim escreveu Robert Tocquet, estudioso desses fenômenos, na conclusão do seu livro Além do humano, Edições Dellavalle. Esta afirmação encerra um profundo significado, que justifica o lento progresso destas ciências, e que objetiva um resultado seguro no tempo.

A meta que poderemos atingir com o estudo destes fenômenos, recentemente desempoeirados do pó dos anos, e talvez com excessiva facilidade levados ao nível das massas, é difícil de prever. Talvez das respostas que possamos ter às grandes interrogações, surjam outras perguntas que exigirão suas respostas. É oportuno perguntar-se se tudo isso é útil ao homem, se o desejo de pesquisar a telepatia ou a precognição não favorece o surgimento de novas dificuldades para a própria humanidade, de novos perigos.

Podemos pensar numa guerra que se desenrola no campo psíquico, onde, à destruição biológica, se contrapõe um condicionamento passivo da humanidade. Mas, em antítese a essas nocivas aplicações, poderemos chegar ao conhecimento daqueles valores que definimos como espirituais, à certeza daquela existência que supera a condição física e se transfere para o exterior, e que definimos comumente como " espírito".

Hoje a hipótese "espírita" parece perder seu antigo significado. A visão científica tende a responder em termos "de laboratório", excluindo todo valor "sobrenatural". O espiritismo, como doutrina de lei moral, está enterrado no século passado, mas até quando? Talvez ressurja mesmo das suas cinzas, com um significado mais completo e autêntico do que aquele que poderia nos dar um instrumento de laboratório, apresentando-se como ponto de autêntica fusão do ser temporâneo "homem" com uma relação absoluta "infinita", relação com uma dimensão desconhecida, esperamos que ainda por pouco tempo.



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