terça-feira, 21 de setembro de 2010

ENTREVISTA COM ALBERTO ALMEIDA (orador espirita de Belem do Pará)

P: - Neste momento, no Brasil, em que as Federações estão bem estruturadas, o que falta para se efetivar a unificação do Movimento Espíita?

R: - A palavra unificação, tomada ao pé da letra, significa a ação de ficar unido, manter junto para viabilizar a Doutrina Espírita no atendimento do Centro Espírita, para que ele alcance a sua finalidade maior, que é estudar o Espiritismo, expor a Doutrina para a vivência de tudo o que é divulgado, dentro das suas paredes e além delas.

A proposta de unificação é uma atividade-meio, objetivando a célula do Movimento Espírita, que é o Centro Espírita, para que ele alcance a sua real finalidade, que seria desdobrar a Doutrina Espírita no estudo, vivência e divulgação.

Nessa perspectiva, a unificação é uma tarefa de relevância, posto que se propõe a que possamos ombrear-nos uns com os outros, somarmos esforços, dividirmos experiências, avaliarmos soluções para os problemas que enfrentamos, procurarmos socializar o conhecimento espírita e apoiar as casas mais frágeis.

A unificação tende a potencializar o Movimento Espírita em qualidade e disponibiliza ao movimento a possibilidade de fazermos correções de rumo, sem nenhuma preocupação de tornar o Movimento Espírita uniforme, mas sim respeitando as idiossincrasias de cada região, de cada estado, de cada país.

O trabalho de unificação objetiva assegurarmos a vivência do conteúdo espírita que ganha diversos designs, de acordo com as diversas localidades.

O Centro Espírita localizado no centro de uma cidade trabalha a Doutrina Espírita de um jeito; o grupo de periferia, que tem uma outra vocação, trabalha numa outra perspectiva. Entretanto, todos estão identificados com a mesma base kardequiana, estão vinculados aos mesmos princípios doutrinários e podem guardar a mesma fidelidade doutrinária, sem prejuízo da diversificação das suas atividades.

A unificação é a proposição de podermos estar integrados, unidos, reunidos amorosamente, dando como conseqüência um trabalho mais solidário, mais fraterno, mais amigo e mais fecundo, sem nenhuma imposição, sem nenhum constrangimento, sem nenhuma violência a ninguém, sem nenhum patrulhamento a esta ou àquela entidade, sem nenhum tipo de ação que possa representar cerceamento da liberdade de qualquer grupo.

É um trabalho, portanto, assentado sobre a fraternidade.

Acho que Bezerra de Menezes é o Espírito que melhor traduziu o trabalho de unificação, depois de Kardec, quando ele propôs que esse trabalho se estabeleça em regime de urgência mas que não seja apressado. Urgência define objetivos bem claros a serem alcançados e não apressado, diz ele, porque não nos é lícito violentar a consciência alguma.

O trabalho de unificação, no fundo, é uma tarefa-meio, que objetiva um fim que todos nós espíritas desejamos, que é de colocar a Doutrina Espírita ao alcance de todas as pessoas e ele tem como objetivo máximo o Centro espírita, que é a unidade fundamental do Movimento Espírita.

P: - Quais seriam hoje os principais obstáculos para a unificação?

R: - Acho que é o personalismo, que constitui um obstáculo imenso ao trabalho de unificação.

Somos espíritos que trazemos dificuldades imensas no campo do orgulho, somos muito egoístas. Nossa prepotência às vezes nos coloca acima da tarefa, acima da causa. Achamos que a Casa tem de ser às vezes maior do que a Causa. Isso faz-nos limitar a percepção, faz-nos reivindicar idéias que às vezes são pessoais e às vezes são de grupos e que se colocam em detrimento do coletivo, da maioria, e faz com que a nossa posição seja de inflexibilidade, de intolerância, de preconização da verdade exclusiva, e isso causa uma impermeabilidade no contato com o outro. Todas as vezes que nos manifestamos assim, criamos um grande vácuo na relação com o outro.

A unificação prevê a manutenção da individualidade de cada instituição, o perfil de cada região, a idiossincrasia de cada Centro Espírita.

A imagem do feixe de varas é significativa. Um feixe é constituído de diversas varas que têm diversos polos, diversos jeitos, diversos tempos, diversas texturas. Solitariamente, essas varas são frágeis, são facilmente quebráveis, mas quando se agrupam elas formam uma união de forças, na linguagem de Bezerra de Menezes, e se tornam realmente invulneráveis.

O Movimento Espírita, quando se une, se vincula, necessariamente não uniformiza todos os Centros Espíritas, impondo que as varas tenham a mesma textura, o mesmo comprimento, a mesma constituição, mas respeita e assegura a liberdade de cada um poder ser como queira ser, tendo entretanto como base fundamental a codificação kardequiana, inspirada naturalmente no Evangelho que ela ressuscita.

O personalismo faz com que assumamos uma posição de dono do movimento, de a nossa fala ser mais importante que a dos outros e a gente assume a condição de ser o porta-voz da verdade, em detrimento, às vezes, da maioria. Isso cria dificuldade imensa.

Um outro problema que encontramos para que a unificação se estabeleça é a falta de encontro. Para que possamos nos unir, precisamos nos reunir. Se não nos reunimos, como é que vamos nos unir? Penso que essa é uma dificuldade que se coloca na contramão do trabalho de unificação. Precisamos nos encontrar, estar juntos, conviver, para podermos viver bem e o obstáculo sem dúvida maior é a ausência da perspectiva amorosa de cada tarefeiro.

Só há unificação se houver união; só há união se houver reunião; só há unidade se houver fraternidade e só há fraternidade se houver amor nas almas. Talvez por isso Jesus tenha afirmado de forma bastante eloqüente que seus discípulos seriam reconhecidos por muito se amarem, e os espíritas, na fala do Espírito da Verdade, viessem, de forma categórica, dizer que o primeiro mandamento era "amai-vos".

Penso que se não conseguirmos experimentar o exercício da amorosidade entre nós, trabalhadores espíritas, a unificação se tornará uma utopia, mas se conseguirmos fazer esse esforço, então nos daremos conta de que somos diferentes mas podemos estar juntos; podemos divergir mas não precisamos nos separar; podemos pensar diferente sem brigar; apresentamos às vezes idéias que não combinam, mas não precisamos agredir pessoalmente um ao outro e, nesse processo de convivência amorosa, nós vamos lapidando as nossas experiências, ajustamos nossos pensamentos e vamos encontrando os nexos que são naturalmente as posições de equilíbrio.

Já que o Movimento Espírita, na tarefa de unificação, tem uma base espiritual, que os espíritos trabalham nos inspirando, penso que à medida que nós nos abrimos para a capacidade de aceitar o outro como ele é, de uma forma incondicional, que seja possível ao nosso coração, nós encontramos aí uma inspiração superior. Os espíritos conseguem nos favorecer com suas energias, com seus pensamentos, com suas intuições e nós conseguimos superar os obstáculos que são próprios de seres humanos.

P: - Qual seria o papel da Federação Espírita na unificação?

R: - O trabalho de uma federativa é coordenar, dinamizar, propor, favorecer encontros, porque a federativa, na verdade, não é uma pessoa e não é um grupo de pessoas. A bem da verdade, ela deve ser a reunião da manifestação dos espíritas de um determinado Estado, de um determinado país ou região. A federativa do Estado representa os espíritas daquele Estado, portanto, tem a função de dinamizar o Movimento Espírita naquela jurisdição, por assim dizer.

Enquanto federativa, o seu trabalho é de facilitar esses encontros, de propiciar a catalização das atividades espíritas, de ajudar o Movimento Espírita a trocar experiências para fazer correção de rumos, de poder estar primando para que o Movimento Espírita valorize eventos dentro de uma base kardequiana. Essa é a tarefa das federativas.

Não é tarefa da federativa mandar, obrigar, impor, constranger, determinar, porque não há no Movimento Espírita uma organização hierárquica religiosa, mas há uma organização fraternal, e esse é o vínculo federativo.

As Casas se unem numa adesão espontânea, inteiramente voluntária e sem nenhuma subordinação a qualquer autoridade, o que faz a gente ver o movimento de unificação, portanto, de uma forma bastante diferente das outras organizações religiosas, porque é um movimento horizontal, é um movimento no qual a Doutrina Espírita deve estar preconizada como sendo a base das nossas relações e onde nós somos companheiros de jornada. Não há, portanto, uma figura que encarne, por assim dizer, a pessoa do sacerdote, de um sumo sacerdote, como dizia Kardec.

Nós não temos a formatação religiosa cultista. Isto nos dá bastante flexibilidade para entender que uma federativa tem como meta, como missão, unificar o Movimento.

O Centro Espírita é o maior beneficiário da unificação e a Federação Espírita só existe para de alguma forma apoiar o Centro nas suas atividades fundamentais, porque é o Centro Espírita que faz esse trabalho na linha de frente; é ele que atende o público, é ele que recebe, que aplica o passe, que divulga, que faz atividades comemorativas, e a Federação vai dotar o Centro Espírita para que ele esteja aparelhado e possa receber assim a população e fazer face à demanda que o alcança, exigindo-lhe uma posição equilibrada doutrinariamente, lúcida, adequada e a Federação, portanto, representa o esforço dos espíritas em salvaguardar a Doutrina Espírita na sua pureza, na sua beleza, e socializar o pensamento espírita entre todas as Casas, as que têm mais, as que têm menos, aquelas que já superaram o problema em si e aquelas que estão passando por problemas, por sua vez e assim nós vamos caminhando, no âmbito da fraternidade, tendo como canais de interlocução a Federação, os Conselhos Regionais, as Uniões Regionais, os órgãos departamentais federativos, que são todos mecanismos que tentam agenciar o grande objetivo de uma entidade federativa.

P: - Como o espírita, no seu canto de trabalho, pode colaborar na unificação?

R: - O espírita colabora quando vende a idéia da unificação.

Eu comparo o Centro Espírita com uma família. O trabalhador que veste a camisa do Centro Espírita, dá a vida pela equipe em que trabalha, vamos dizer que seja o setor de infância. Ele dá a vida pela infância, mas não consegue ver o Centro Espírita. Ele só consegue ver o trabalho da infância. É como se o Centro Espírita fosse só a evangelização infantil. Se alguém lhe dissesse: "olha, vem aqui, venha ajudar a limpar o Centro para a atividade adulta", ele diria: "não, eu sou do departamento de infância". Ele é um espírita que tem uma visão setorizada do Movimento Espírita.

Tem um outro espírita que freqüenta a mesma Casa e que tem um outro perfil. Ele consegue ver todas as atividades, as equipes, os departamentos. Ele tem uma visão mais global. Ele se movimenta tanto num departamento quanto noutro, mas se você disser: "olha, vamos a um outro Centro fazer uma palestra, ajudar, porque eles têm lá uma dificuldade de expositores", ele diria: "não, não, meu Centro Espírita é este". Ele está restrito ao seu Centro Espírita, que ele chama o "seu" Centro, porque a visão dele é restrita. É maior do que aquela do trabalhador da equipe que fica restrito ao seu departamento, mas é menor do que a daquele outro que, participando da mesma instituição, é convidado e vai a um outro Centro Espírita, para fazer uma doação de telhas, porque o Centro está com dificuldades financeiras. O que tem este perfil já tem uma visão de Movimento mais ampla. Ele começa a ver a Causa acima da Casa. Ele já sabe que ali é um espaço onde a Doutrina Espírita é elaborada, mas a Doutrina não é a Casa. A Doutrina faz parte, e se desloca, e se movimenta em inúmeras Casas, fazendo aquilo que Kardec chamaria a grande família espírita. A gente sente que ele faz parte de uma grande família.

Quem pensa grande desse jeito, que consegue vislumbrar o todo, esse é o trabalhador da unificação. Esse consegue pensar no Espiritismo como sendo a doutrina que deverá estar animando a Casa. A Casa é o corpo. A alma que alimenta a Casa é o Espiritismo. Ele vislumbra a Doutrina Espírita de uma forma mais ampla, mais abrangente. Ele não tem aquele amor egoísta do "meu Centro Espírita". O amor dele se espraia além das fronteiras do seu grupo para ver o Movimento Espírita. Ele está preocupado com o Movimento Espírita.

Esses tarefeiros são muito poucos. Se formos analisar, formamos como que uma pirâmide. São poucos aqueles que estão no ápice, que têm essa compreensão da pirâmide como um todo. Quem está na base não se dá conta da totalidade da pirâmide. É como se alguém abrisse uma janela e visse o tronco de uma árvore; outro abrisse a mesma janela e dissesse: "mas que bosque extraordinário" e outro ainda abrisse a janela e dissesse: "este mundo tem uma floresta que nós precisamos proteger". Cada um olha pela mesma janela, mas tem uma percepção diferente.

O trabalhador da unificação é aquele que consegue vislumbrar a Doutrina Espírita de uma forma grandiosa e vai além das fronteiras do seu Centro, da sua União Regional, do seu Estado. Ele pensa no Movimento Espírita no âmbito da Terra.

Esse é o trabalho de unificação. É um desafio, portanto, estabelecer a construção dessa consciência crítica e crística que deve ter o trabalhador espírita identificado com a tarefa da unificação.

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